Por que
João Havelange e Ricardo Teixeira se livraram das acusações criminais na
Justiça Suíça, após terem recebido US$ 15,6 milhões em propinas (apenas) entre
agosto de 1992 e maio de 2000? Essa foi a grande dúvida dos membros do Comitê
Europeu para Esportes e Ciência, durante a investigação da corrupção na Fifa,
feita ao promotor suíço, Thomas Hildbrand, que denunciou os brasileiros.
A resposta do promotor
está no relatório parcial divulgado pelos parlamentares europeus, esta semana.
A decisão do encerramento
do caso contra os brasileiros se baseia no artigo 53 do Código Criminal da
Suíça, “que trata de acordos feitos para reparação de danos”.
Por trás do livramento
dos brasileiros acusados, há um acordo desenhado pela Fifa, no valor de R$ 6,2
milhões (R$ 5,1 milhões pagos por Teixeira e R$ 1,1 milhão pago por Havelange).
O promotor explicou: “Se
o acusado (Havelange/Teixeira) reparou a perda, prejuízo ou ferimento causado
(s) ou demonstrou esforço razoável para consertar o erro, a promotoria deve
encerrar a ação criminal ou evitar levá-los a julgamento”.
Prevendo a dificuldade
de compreensão por parte dos parlamentares europeus, Hildbrand avançou no
código penal e citou o artigo 42, que também regula o chamado interesse público
na condenação de um criminoso: “No caso de a pessoa ofendida se sentir reparada
pelo acusado, o promotor público deverá encerrar o caso, por falta de
necessidade de restauração de direito ferido”.
Há vários pontos de
interesse na abordagem do promotor, começando pelo fato de os advogados que
defenderam Ricardo Teixeira serem os mesmos que trabalham para a Fifa e Joseph
Blatter, em Zurique.
O promotor estranhou e
suspeitou dessa “proximidade de advogados” , mas seguiu com o acordo.
Por coincidência,
32 foi também o número de depósitos feitos nas contas das empresas Sanud,
Garantie JH e Renford Investments Ltd usadas por Teixeira e Havelange somente
em oito anos, para coletar cerca de R$ 27 milhões.
No total, estima-se que
cerca de R$ 70 milhões em comissões teriam sido depositados em contas de outras
empresas de fachada usadas no esquema.
O maior projeto de
corrupção da história do futebol movimentou o equivalente a R$ 254 milhões
entre 1989 e 1998, ano da saída de Havelange da presidência da Fifa.
ALGUMAS
EMPRESAS ENVOLVIDAS EM SUBORNO, SEGUNDO JUSTIÇA SUÍÇA
Garantie JH
Sanud
Renford Invest
|
US$ 1,5 milhão
US$ 8,5 mihões
US$ 5,6 milhões
|
03/03/1997
de 16/02/93 a 28/11/97
de 23/06/1999 a 04/05/2000
|
Beleza
|
US$ 1,5
milhão
|
de 27/03/91
a 01/11/91
|
Ovada
|
US$ 820 mil
|
22/01/1992
|
Wando
|
US$ 1,8
mihão
|
de 06/07/89
a 22/01/93
|
Sicuretta
|
US$ 42,4
mihões
|
de 25/09/89
a 24/03/99
|
A
Fifa como acusada e vítima
O dilema de a Fifa ser
acusada de gestão temerária de suas receitas e negócios (e também ser vítima do
esquema que criou) forçou o ministério público a aceitar um acordo entre os
brasileiros e a entidade. “Criou-se um nó jurídico”, defendeu-se.
“A Fifa era a terceira
acusada no processo criminal em Zug por descuido administrativo”, explicou
Hildbrand. “Em resposta a seus atos de má administração a entidade foi obrigada
a depositar 2,5 milhões de francos suíços (R$ 5,17 milhões) na conta do
Ministério Público. Esse dinheiro será usado em projetos sociais”.
Isso
talvez explique por que Joseph Batter teve um interesse especial no
encerramento do caso, ao aceitar a devolução de apenas parte do dinheiro
recebido ilegalmente pelos brasileiros.
“Não posso dizer
que ele esteja envolvido na distribuição das propinas ou que tenha se
beneficiado dos crimes, mas ele esteve na direção da Fifa como diretor técnico,
secretário geral e presidente, desde o início dos problemas, nos anos 70”,
comentou Hildbrand.
Perda
de interesse na condenação
Para reforçar a doutrina
penal suíça, o promotor também explicou que o interesse do “Ministério Público
diminui na mesma proporção da reparação do dano causado contra qualquer
vítima”.
“Se os danos são
financeiros e se o crime aconteceu anos atrás, a necessidade de ação penal
diminui com o passar do tempo”, finalizou Hildbrand.
Além disso, sem a parte
ofendida, não pode haver ação criminal: “Foi exatamente o que aconteceu nesse
caso com os acusados H (Teixeira) e E (Havelange) e a Fifa”, explicou o
promotor suíço, que manteve os nomes dos brasileiros sob sigilo em suas
respostas.
A
vinculação dos códigos (H e E) aos nomes das empresas dirigidas pelos
brasileiros foi possível graças a um cruzamento de dados sigilosos, obtidos por UOL
Esporte, em 2011.
O pagamento R$ 5,17
milhões ( 2,5 milhões de francos suíços) foi aceito pela promotoria (a
pedido da Fifa) para o encerramento do caso contra Ricardo Teixeira.
João Havelange,
continuou caminhando livre pelas ruas “por ser idoso e ter seus
rendimentos reduzidos por pensão e aposentadoria” e por devolver o equivalente
a R$ 1,03 milhão. O dinheiro foi depositado na conta de massa falida da empresa
International Sports Leisure (ISL), que saiu do mercado em 2001, deixando um
rombo estimado em mais de R$ 320 milhões.
Ricardo Teixeira
renunciou à presidência da CBF e ao cargo de executivo da Fifa, em março
de 2012. Havelange renunciou a cargo vitalício no Comitê Olímpico
Internacional, durante uma investigação por corrupção, em dezembro de 2011.
No último fim de semana,
Havelange, que está internado há mais de 40 dias, no Rio de Janeiro, recebeu a
visita surpresa de um velho aliado dos tempos de Fifa: Joseph Blatter, o
presidente que o substituiu, em 1998.
Informações do UOL
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